Este doc do pesquisador em Artes da UFMG Fred Le Blue (Artetetura e Humanismo) que faz uma edição do arquivo público virtual sobre Vander Lee e sua família musical (Marcos e Laura Catarina) é um tributo audiovisual que reúne as muitas loas, poucas em proporção ao seu talento, recebidas pelo artista ao longo da sua carreira. Uma bela homenagem para preencher o vazio causado em BH, em Minas e no Brasil, pela ausência física desse gênio da comunicação musical, que sabia unir os pontos dos retalhos da alma nua na primeira pessoa, sem heterônimos. Uma caixinha de música ecoa do alto de uma montanha mineira, nos convidando a escalar até o topo para mirrar, por um ponto de vista privilegiado, a humanidade. Seria isso o que nos proporciona o conjunto da obra e legado de vida vanderleeano que seguirá servindo de antídoto não-iniciático para sairmos da escravidão digital de likes trocados com a MPB fofa, por ser despolitizada, e dancinhas do Tik Tok dos big brothers baby boomers, para os quais a música é só uma trilha sonora de elevador para macaquices energúmenas.
O belo-horizontino Vanderli Catarina, cujo nome artístico inicial era Vanderli Natureza, mas que ficou conhecido para o grande público como Vander Lee, é um ícone interrompido da história da música romântica e popular brasileira, que teve como primeiros incentivadores de seu talento, figuras lendárias da MPB, como Maurício Tizumba e Elza Soares. Tímido, porém destemido, trilhou uma caminhada de sucesso e musicalidade, indo dos bares da vida aos palcos do mainstream da música, só comparável ao Clube da Esquina em Minas, apesar de ser um cantautor quase solitário -, ao contrário daquele movimento musical dos anos 60 e 70 que o sucedeu e o influenciou, caracterizado pelas incontáveis análises combinatórias de parcerias musicais e carreiras orbitantes lançadas em torno de Milton Nascimento.
De "natureza" introspectiva e também andrógena como a de Bituca, que bebeu na fonte musical do histórico bairro de Santa Tereza, Lee é oriundo das bordas marginalizadas da cidade de Belo Horizonte (Bairro Olhos d´Água), tendo realizado, por isso, uma façanha de construir uma carreira musical, a partir de uma infância de provações e privações. Antes de se tornar músico profissional, trabalhando como ambulante, gandula e soldado, a alma de Vander foi tatuada com as marcas de uma vida de invisibilidade social, que ameaçava até mesmo o direito a uma vida biológica segura, o que dirá a cultural e espiritual.
Contrariando as estatísticas de pobres, pretos e periféricos, Vander Lee Natureza Catarina conseguiu vencer quase tudo, até mesmo sua timidez, pelo menos, nos palcos, desenvolvendo um carisma singular por meio de uma horizontalidade despojada na relação entre palco e plateia. Como estratégia psíquica musicoterapêutica para lidar com a dor e o caos mental e coletivo, sua música universal e atemporal funciona ainda hoje como um bálsamo de cura dos traumas causados pela sociabilização urbana, tendo transformado o preconceito de classe e raça da sociedade em potência criativa, capaz de traduzir em palavras os afetos, desafetos e afetações humanas.
A sua canção é um inquebrantável espelho compassivo e comunicativo que reflete as adversidades da vida cotidiana e amorosa, mas sempre apontando para uma perspectiva de esperança utópica com urbanidade e clarividência. Talvez, por isso, que ele virou estrela muito cedo, mas segue iluminado e iluminando, sem preciosismos de apegos e aversões estéticas, através de uma obra sincrética e eclética, a espécie humana dos românticos ameaçados de extinção, por meio de campo de força vibracional pró-reencantamento do mundo.
FIlme: "A Natureza de Vander Lee Catarina"
(BRA, 2024, 65')
Link: https://youtu.be/jXUsoPqxymQ
Diretor: Fred Le Blue
Produção: Artetetura e Humanismo